quarta-feira, 11 de abril de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
terça-feira, 13 de março de 2012
quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012
Hora do conto
O caçador de borboletas
Vladimir
recebeu muitas prendas no Natal, entre livros, discos, legos, jogos de
computador, mas gostou sobretudo do equipamento para caçar borboletas. O
equipamento incluía uma rede, um frasco de vidro, algodão, éter, uma
caixa de madeira com o fundo de cortiça, e alfinetes coloridos. O pai
explicou-lhe que a caixa servia para guardar as borboletas. Matam-se as
borboletas com o éter, espetam-se na cortiça, de asas estacadas, e dessa
forma, mesmo mortas, elas duram muito tempo. É assim que fazem os
coleccionadores.
Aquilo
deixou-o entusiasmado. Ele gostava de insectos mas não sabia que era
possível coleccioná-los, como quem colecciona selos, conchas ou postais,
talvez até trocar exemplares repetidos com os amigos.
Nessa mesma tarde saiu para caçar borboletas.
Foi
para o matagal junto ao rio, atrás de casa, um lugar onde se juntavam
insectos de todo o tipo. Já tinha apanhado cinco borboletas que guardara
dentro do frasco de vidro, quando ouviu alguém cantar com uma voz de
algodão doce – uma voz tão doce e tão macia que ele julgou que sonhava.
Espreitou e viu uma linda borboleta, linda como um arco-íris, mas ainda
mais colorida e luminosa.
Sentiu
o que deve sentir em momentos assim todo o caçador: sentiu que o ar lhe
faltava, sentiu que as mãos lhe tremiam, sentiu uma espécie de alegria
muito grande. Lançou a rede e viu a borboleta soltar-se num voo curto e
depois debater-se, já presa, nas malhas de nylon. Passou‑a para o frasco
e ficou um longo momento a olhar para ela.
— Agora és minha — disse-lhe. — Toda a tua beleza me pertence.
A borboleta agitou as asas muito levemente e ele ouviu a mesma voz que há instantes o encantara:
—
Isso não é possível — era a borboleta que falava. — Sabes como surgiram
as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia ali um homem
sábio e bom, chamado Buda…
Vladimir esfregou os olhos:
— Meu Deus! Estou a sonhar?
A borboleta riu-se:
—
Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem
sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia
de flores e lançou-as ao vento e disse: “Voem!”. E foi assim que
surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser
vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.
—
Não! — disse Vladimir abanando a cabeça. — Eu sou um caçador de
borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem e se não forem
coleccionadores como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo, não era um riso de troça):
—
Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo,
não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de
macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto
podes coleccionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será
tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.
Vladimir começava a achar que ela tinha razão.
— Se eu te libertar agora — perguntou — tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminando o frasco com uma luz de todas as cores.
— Já sou tua — disse — e tu já és meu. Sabes? Eu colecciono caçadores de borboletas.
Vladimir
regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha
feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:
— Muito boa — disse. — Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo.
José Eduardo Agualusa
Era uma vez
Revista Pais e Filhos, s/d